Por Tony Volpon, em 08.08.2022

(Broadcast) – Como diz a famosa música de Louis Armstrong, “Summertime and the living is easy”, certamente para as bolsas globais tem sido um bom verão: alta de quase 10% no MSCI World, 13% no S&P 500.

A razão para esse bom verão foi uma combinação de condições técnicas (por exemplo, alto nível de caixa dos fundos mútuos, elevado nível de pessimismo nas pesquisas) depois das fortes perdas entre abril e o meio de junho (queda de 21% no S&P 500); sinais de desaceleração em alguns condicionantes da inflação (principalmente queda de algumas commodities e sinais de menos pressão sobre as cadeias de oferta); e, finalmente, o “dovish tightening” de 0,75 ponto porcentual por parte do Federal Reserve, com Jay Powell não conseguindo esconder, durante a conferência de imprensa que se seguiu à divulgação da decisão, que, apesar de tudo, ele é um banqueiro central “dovish” por natureza.

Tal combinação de fatores levou à formação de uma expectativa que chamei em minha última coluna de uma “recessão goldilocks” (uma variante da espécie “pouso suave”), uma recessão forte o suficiente para derrubar a inflação – mas branda o suficiente para não causar grandes danos à rentabilidade das empresas.

Comentamos naquela ocasião que tal resultado não era impossível, mas era bastante improvável. Tecnicamente (peço desculpas pelo jargão) estaríamos falando de um “saddle point equilibrium”, um tipo de equilíbrio altamente instável, já que a trajetória dinâmica da economia tenderia a cair de um lado ou outro da “sela” – neste caso, ou inflação acelerada ou recessão.

Se nas últimas semanas o mercado ficou acreditando na estabilidade do “saddle point”, essa crença foi abalada pelos dados do mercado de trabalho referentes ao mês de julho, com o número de vagas criadas em 528 mil, quando o esperado eram 250 mil, com a taxa de desemprego caindo para o patamar de 3,5% (menor nível desde 1969). O crescimento de salários também surpreendeu expectativas, subindo 5,2% ano a ano.

Dado que 70% do PIB nos EUA é consumo, tal força do mercado de trabalho não deve ter sido bem recebido pelo Fed (por mais “dovish” que seja o comitê hoje em dia). Enquanto a recente queda das commodities vai ajudar a moderar a inflação cheia, a inflação subjacente deve continuar a ficar bem pressionada. Então parece que a realidade acaba de escolher qual lado do “saddle point” que a economia vai traçar.

A reação dos mercados merece comentário. Houve alta na curva de juros, em movimento de “bear flattening”, com as taxas curtas subindo (a de dois anos, 0,20%) mais do que as de longo prazo (a de 10 anos, 0,13%), invertendo mais a curva.

Mas aqui o mercado ainda parece estar na vibe do “summer time”. A curva hoje ainda tem uma taxa terminal menor que de junho (3,5% versus 4%) e ainda precifica corte de juros começando em junho de 2023, algo somente possível se a economia entrar rapidamente em recessão.

Mas quem teima em não abandonar o verão é a bolsa americana, que caiu com a divulgação dos dados, oscilou algumas vezes ao longo do dia, e acabou fechando perto da estabilidade.

Como explicar isso? Do ponto de vista histórico, o padrão normal do mercado acionário é somente “sentir” negativamente a alta de juros quando ela bater na atividade. Do ponto de vista de reagir à política monetária, o mercado acionário americano é de fato pouco “forward looking”.

Dando um exemplo: entre 2004 e 2006, o Fed subiu, em incrementos de 0,25 ponto, os Fed Funds, de 1% até 5,25%.

Durante esse período a bolsa americana subiu 47%, atingido o pico do ciclo em setembro de 2007. Foi somente com crescentes sinais de estresse financeiro e de quedas no setor imobiliário que a bolsa começou a cair, atingindo suas mínimas no início de 2009, depois da crise da Lehman Brothers.

Agora, cada ciclo é diferente e, hoje, com uma inflação de 9%, talvez a bolsa seja mais sensível à questão de juros, especialmente dada a velocidade do ajuste empreendida pelo Fed. Mas eu não ficaria surpreso se a bolsa americana continuar a performar bem no resto deste mês (até pela relativa falta de liquidez em razão da época de férias).

Em resumo, apesar dos explosivos dados de empregos, os mercados continuam em modo verão. Afinal, somente estamos no início de agosto.

Tony Volpon é estrategista-chefe da WHG (Wealth High Governance). Foi diretor do Banco Central e publicou “Pragmatismo sob Coação: Petismo e economia em um mundo de crises” pela Alta Books. “Twiter: @tonyvolpon”.

Os artigos publicados no Broadcast expressam as opiniões e visões de seus autores.