Por Tony Volpon, em 23.05.2022
(Broadcast) – Gostaria de usar esta oportunidade para fazer algumas análises sobre como a política monetária vem sendo executada tanto no Brasil como nos EUA. Quero argumentar que houve algumas importantes mudanças que não estão sendo suficientemente apreciadas pelos mercados, com consequências para as futuras decisões de ambas as instituições.
Mas antes disso, um comentário conjuntural. Acho claro que, pelas últimas falas de Jay Powell, ele já aceitou a necessidade de o Fed causar uma recessão nos EUA para debelar a inflação. Confesso aqui que minha avaliação anterior (expressa algumas vezes nesta coluna) de que uma recessão era provável em razão de uma má avaliação/erro de política do Fed, e não de uma política proposital, estava errada. Eu ainda não acredito que o sistema político americano, e mais especificamente o governo Biden, está entendendo o que vai acontecer. Mas me parece que o Powell já se conformou com a eventualidade de uma recessão e, frente a um novo mandato, vai pagar o preço para corrigir o erro que ele cometeu, custe o que custar. Powell que se prepare: quando o mercado de trabalho começar a sofrer, vai ser aquela gritaria, mas acho que Powell vai persistir.
Agora para assuntos mais “estruturais”. Acho importante notar como a liderança do Fed tem adotado as condições financeiras como um “instrumento intermediário” da política monetária, e que isso representa uma inovação. Bancos centrais não têm como controlar diretamente a inflação e, assim, sempre há uma procura por “instrumentos”: algo que o banco central pode (pelo menos parcialmente) controlar que tenha impacto sobre a inflação/atividade.
Durante um período, isso foi a base monetária, mas com uma série de inovações financeiras a partir dos anos 70/80, tanto o controle dos agregados monetários como sua relação com a inflação se enfraqueceram. Isso, junto com os insights derivados da “revolução” teórica das expectativas racionais de Muth/Lucas/Sargent levou, eventualmente, na roupagem “nova keynesiana”, ao sistema de metas de inflação.
Nesse sistema, a ancoragem das expectativas via a fixação de uma meta pública e crível vira o ponto principal e alguma forma de inflation forecast targetting, ou “mirando a projeção na meta” é adotado como instrumento operacional via a manipulação da taxa de juros de curto prazo (fed funds, Selic).
Notem que aqui o instrumento é a taxa de juros, mas de certa forma o verdadeiro instrumento intermediário são as projeções de inflação, que têm as expectativas de inflação como insumo mais importante.
Sendo assim, por que hoje a ênfase nas condições financeiras? Acho que, em parte, isso se deve aos enormes e consistentes erros de projeções dos bancos centrais. Como praticar forecast targeting quando as projeções demonstram-se consistentemente erradas dadas as quebras estruturais que os excessos de estímulos monetários/fiscais e a pandemia causaram?
Assim, o Fed adota as condições financeiras como instrumento intermediário da política monetária, influenciados (imperfeitamente) pela soma da comunicação e fixação da taxa de juros. Podemos tentar medir como seus vários componentes impactam a demanda agregada e a inflação, mas abandonamos na prática o arcabouço novo keynesiano, voltando a uma tradição mais antiga que olhava os “canais de transmissão” da política monetária sobre diferentes componentes da demanda.
Acho isso uma boa mudança. Traz mais julgamento ao processo e menos reação mecânica a cada variação das projeções. Perder a “bússola” dos modelos é obviamente estressante, mas admitir que, pelo menos por ora, os modelos têm pouco a contribuir é bem melhor que ficar insistindo no erro.
Algo similar está sendo sinalizado pelo nosso Banco Central (vide os comentários do Diretor Serra em recente evento da Goldman Sachs). Parece que o Banco Central está se libertando de um processo também mecânico de aumentar a Selic a cada má notícia ou erro de projeção de curto prazo. Certamente, a pausa que o comitê deve anunciar na sua próxima reunião não é algo sem riscos, mas ainda assim é a decisão correta, em função da conjuntura e do desejo de minimizar a volatilidade da própria política monetária.
O Banco Central deve ver uma continua “desancoragem” na pesquisa Focus, mas não deve se preocupar com isso em um primeiro momento. Ligando agora a nossa conjuntura com o Fed, a desaceleração da economia americana deve ser parte do balanço de risco da instituição, algo que já está evidente em alguns dados no setor de manufaturados e que deve se salientar ainda mais a partir do final deste ano, o que poderá gerar um vetor externo de desinflação para o Brasil, e, possivelmente, trazer algum conforto à decisão de encerrar o ciclo de alta de juros.