Por Tony Volpon, em 11.04.2022

(Broadcast) – Até que ponto o Federal Reserve está disposto a agir para domar a inflação? Desde o “Powell pivot” do dia 30 de novembro de 2021, quando Jay Powell confirmou perante o Congresso (e, mais importantemente, o mercado) que a inflação de fato não era algo transitório, temos vivido uma continua “cessão de tortura”. Powell tem usado quase cada oportunidade para sinalizar mais um elemento de intenção de um ajuste mais severo da política monetária. A semana passada não foi nada diferente, com a ata da última reunião do Fed e uma fala da vice de Powell, Lael Brainard, gerando outra rodada de alta de juros e volatilidade nos mercados.

Confesso que até agora a minha visão era de que essa tardia encarnação hawkish de Jay Powell era algo que deveria acabar nos primeiros sinais de desaceleração econômica, especialmente qualquer sinal de dano ao mercado de trabalho. Mas se o Fed apertar as condições monetárias muito rapidamente, as condições para uma recessão estarão dadas antes dos primeiros sinais de queda da atividade.

O que parece ter mudado nas últimas semanas foi exatamente a pressa do Fed, sinalizando a disposição de implementar vários aumentos de 0,5% (o mercado dá como certo pelo menos três aumentos neste patamar), indicando mais agressividade do que esperado para o “quantitative tightening”, a diminuição da posição em títulos no balanço do Fed.

É verdade que a taxa terminal, ainda sendo precificada, está relativamente baixa, ao redor de 3% (apesar de uma ala crescente de analistas já estar discutindo algo mais perto de 4%), mas a aceleração do ajuste importa, tanto pelos impactos sobre os mercados como o risco de não acertar na dosagem.

Podemos ver isso na rápida aceleração na alta de juros de mercado. A queda de preços das Treasuries neste ano até março – e abril até agora não está nada diferente – foi a maior desde 1980. A destruição de riqueza e poupança na renda fixa tem sido enorme.

Muito se fala nas defasagens da política monetária, e enquanto exercícios econométricos mostram defasagens relativamente longas, cada ciclo é um ciclo, e me parece que uma característica do ciclo atual é sua velocidade.

Agora me parece que depois de um longo período de leniência coma inflação, o Fed está determinado a cometer o mesmo erro, mas “com sinal ao contrário”: apertar rapidamente além da conta. Assim, hoje eu tomo como cenário básico uma recessão nos EUA em 2023.

A parte boa da notícia é que deve ser uma recessão leve (pense na recessão de 2001), pela ausência de evidentes excessos de alavancagem nos balanços dos agentes (empresas, famílias e bancos), que estão em excelentes condições. Considere, por exemplo, que a posição líquida financeira das famílias (ativos menos passivos) subiu US$ 40 trilhões nos últimos dois anos.

Como escrevi no final do ano passado (“A estatização da bolha fiscal americana” 06/12/2021), o excesso de estímulo fiscal, em grande parte responsável pela inflação atual, foi financiado por passivos que estão no balanço do Fed, e, não, por um processo de alavancagem endógena do sistema de crédito privado bancário e de mercado, como foi na bolha de crédito global que antecedeu a crise financeira de 2008. Assim a economia privada está com o ativo, mas o passivo foi estatizado.

Quais as consequências para os investimentos neste novo cenário?

Certamente a alocação de risco nos mercados acionários globais deve ser gerenciada com cuidado. Os efeitos dos estímulos ainda estão presentes na economia que cresce bem, mas há vários vetores contrários. A “briga” entre a primeira (positiva) derivada e a segunda (negativa) derivada deve gerar muita volatilidade. Não é hora de “amor” a qualquer posição.

Entendemos que a destruição de valor na renda fixa tem levado investidores a procurar o refúgio da renda variável, dada a atual capacidade das empresas em repassar pressão de custos, efetivamente “indexando” suas receitas. Isso deve ajudar a renda variável até sinais claros de desaceleração da atividade se manifestarem, mas devemos lembrar que essa capacidade é o que uma política monetária austera tenta cessar.

A curva de juros deve continuar a perder inclinação, e fortemente se inverter quando os primeiros sinais de maior desaceleração econômica aparecerem ao longo do ano (bem antes do início “oficial” da recessão). A atual alta da inclinação devida ao anúncio de um “QT” mais agressivo deve ser visto como uma oportunidade de venda da inclinação.

Na mesma linha, haverá, eventualmente, grandes oportunidades no segmento da renda fixa, hoje sendo destroçada pela combinação de inflação e a recente agressividade do Federal Reserve. E a alocação em commodities? Enquanto qualquer recessão deve diminuir a demanda em geral, acredito que a lógica por trás de uma alocação robusta nesta classe continua a ser a falta de investimentos no setor, algo que dura mais de uma década, a relativa falta de elasticidade de novos investimentos, a atual alta de preços devido a uma variedade de restrições regulatórias e políticas. Dessa forma, qualquer correção mais relevante deve ser tratada como uma boa oportunidade de compra para o que é provavelmente um “superciclo” de alta dos preços.

Temos a favor das commodities também minha dúvida se de fato o Fed vai levar às últimas consequências sua tardia postura hawkish.

Se essa conversão for para valer, não somente o Fed deve estar disposto a causar uma recessão, ele tem que deixar que essa recessão tenha profundidade e duração suficiente para realmente desinflacionar a economia. Devemos lembrar que um dos grandes fatores que levou à escalada inflacionária dos anos 70 não foi a falta de reação do Fed à inflação- houve vários ciclos de alta de juros -, mas o rápido abandono do aperto monetário a qualquer sinal de desaceleração mais forte da economia e alta do desemprego. Se a história se repetir neste sentido, podemos, depois de tudo, ainda ter um relevante residual inflacionário na economia global.