Por Tony Volpon, em 11.10.2021
(Broadcast) – Setembro foi um péssimo mês. O índice MSCI mundo, talvez o mais extenso índice das bolsas globais, caiu 4,4% no mês, a pior performance desde a queda de 6,6% em outubro do ano passado. O subcomponente representando países emergentes neste índice teve uma queda um pouco menor, de 4,3%. No caso do MSCI Brasil, a queda foi uma das piores do mundo, de 14,3%. Na maioria dos mercados também houve fortes altas de juros. O que significou, para o investidor tradicional, com um mix de renda variável e fixa, não ter onde se esconder.
Não faltou assunto durante o mês, e podemos apontar seis preocupações principais afligindo os mercados globais (não vou aqui discutir as bem conhecidas preocupações locais).
Os impactos da variante Delta em muitas economias têm sido uma fonte de preocupação pelos seus efeitos em retardar o processo de reabertura. Isso se manifestou de forma mais aguda nos EUA, com claro efeito negativo sobre a atividade econômica, e está contribuindo para a forte queda de popularidade do Presidente Biden, já que ele cometeu o erro de prometer que a pandemia estaria liquidada quando chegasse o verão americano.
Felizmente, a onda Delta já está em declínio, e a volta às aulas presenciais não gerou nenhum efeito negativo relevante. Podemos ver algum incremento de casos no norte dos EUA com a vinda do inverno, de qualquer modo é exatamente nesta região que a taxa de vacinação é mais alta.
Outra fonte de preocupação tem sido a política fiscal americana. Tendo pequenas maiorias no Congresso e empatado no Senado, o governo Biden ainda assim está tentando aprovar pacotes de gastos somando US$ 4 trilhões. Felizmente para Biden, a legislação abre a possibilidade de usar o expediente conhecido como “reconciliation” para passar tais medidas com maioria simples, mas desentendimentos entre as alas progressistas e moderadas estão colocando em risco toda a agenda do governo, e contribuindo para a queda da popularidade do Presidente.
Além desse problema, vivemos o drama da possível não aprovação do limite de endividamento federal, o que levaria potencialmente a um default técnico dos títulos do tesouro americano.
Por sorte, os Republicanos concordam em estender o limite de endividamento até o final do ano, o que em tese permitiria que os Democratas resolvessem suas brigas internas e concordassem na confecção de uma proposta de “reconciliation” que resolva, ao mesmo tempo, o problema do pacote de gastos e o limite de endividamento.
Não há garantia de que os Democratas vão conseguir essa façanha, mas não fazer isso seria o equivalente a um suicido político. Então minha aposta é que o bom senso deve prevalecer.
Outra fonte de preocupação é com a China. O que originalmente parecia uma movimentação pontual contra Jack Ma, quando este ousou criticar o setor bancário estatal, acabou, na verdade, sendo o início de uma reconfiguração do capitalismo chinês sob a bandeira da “prosperidade comum”. Dentro dessa agenda está a tentativa de diminuir a alavancagem financeira do setor privado como um todo, mais especificamente o setor de construção civil, que é responsável por entre 20-30% do PIB chinês. Assim, a maior e mais alavancada empresa do setor, a Evergrande, entra em uma longa agonia que ainda não teve seu desfecho final.
Temores de um “momento Lehman” não prosseguem, já que o Partido tem a capacidade de reestruturar a empresa escolhendo “ganhadores e perdedores”. Desta forma, quem comprou apartamentos da empresa, mas ainda não os recebeu, deve ver as obras completas por outras construtoras, enquanto investidores institucionais estrangeiros de títulos high yield da Evergrande devem sofrer pesada perdas.
Por isso, ao caminhar de um risco de crise financeira não parecer iminente, é inegável que a restruturação do setor deve ser mais um elemento pesando sobre a atividade econômica. Enquanto uma desaceleração, ainda maior, da economia chinesa seria muito ruim para a economia global, o governo tem amplo espaço para adicionar estímulo monetário quando quiser, o que deve limitar o dano final.
Outra preocupação é com o choque energético. Ao redor do mundo os preços dos insumos – petróleo, carvão, e especialmente gás natural – têm disparado. As razões são várias, desde as restrições de produção durante a pandemia que esgotou os estoques; falta de investimentos no setor devido aos baixos preços dos últimos anos e pressões da agenda ambiental; até a alta da demanda com a reabertura e o início do outono/inverno no hemisfério norte.
Apesar de isso representar (mais um) choque inflacionário, o formato das curvas nos mercados futuros sugere que o extremo pico de preços deve ser temporário, com quedas esperadas depois do inverno.
O choque energético pode ser temporário, mas reforça a temática de uma relativa estagflação, contrariando as expectativas excessivamente otimistas do mercado (e de muitos bancos centrais) de que haveria uma normalização rápida dos problemas de oferta. Assim, uma forma de ver o ajuste do mercado em setembro é de um ajuste necessário de preços a um cenário menos benigno de inflação e crescimento devido a um excesso de demanda em relação a restrições de oferta.
Ligado a isso tem a última das nossas seis preocupações, o de aperto monetário. Isso já é uma realidade em várias economias com regimes monetários mais frágeis (como o Brasil) e que erraram na dosagem de afrouxo em 2020, mas a nível global a grande preocupação é com o que o Federal Reserve vai acabar fazendo no próximo ano.
Devemos concluir que a soma dessas preocupações representa um fim da tendência de alta dos ativos de risco? O bull market da pandemia acabou?
Em geral, eu acredito que não. Enquanto é verdade que o cenário real está aquém do excesso de otimismo de alguns meses atrás, pensando nos países desenvolvidos ainda vemos níveis elevados dos condicionantes da demanda agregada (renda, emprego, riqueza e poupança); e as empresas como os consumidores têm excelente condição financeira e fácil acesso ao crédito.
É verdade que até com a recente queda dos preços as bolsas desses países não estão com valuations muito atrativos (especialmente nos EUA). Mas entendo que estamos em um ponto do ciclo onde os ganhos serão menores, porém ainda positivos; menos devido a expansão dos múltiplos e mais ao crescimento dos resultados das empresas, recompra das ações e pagamento de dividendos.
Nossa conclusão: seria inédito ocorrer um bear market a nível global com fundamentos tão fortes e condições financeiras tão expansivas.
Há o risco (que eu acredito ainda estar sendo subestimado pelos mercados) de a inflação continuar a surpreender e em algum momento levar o Federal Reserve a abandonar sua postura ultra-acomodatícia, mas esse risco não é iminente. O Fed provavelmente será um problema, mas não agora.
Tony Volpon é estrategista-chefe da WHG (Wealth High Governance). Foi diretor do Banco Central e publicou “Pragmatismo sob Coação: Petismo e economia em um mundo de crises” pela Alta Books. Twiter: @tonyvolpon
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