Por Thaís Barcellos, em 01.07.2021
(Estadao) – A combinação de boom de commodities com a alta de juros deve manter o fluxo de investimentos estrangeiros em carteira positivo ao menos até o fim do ano, avalia o ex-diretor do Banco Central e estrategista-chefe da WHG, Tony Volpon, em entrevista ao Broadcast.
Volpon reconhece que a disputa eleitoral de 2022 e uma possível reação antecipada do Federal Reserve (banco central dos EUA) são fatores de risco, mas que só devem se materializar no fim deste ano ou início de 2022. Mesmo assim, o economista afirma que a WHG tem mantido uma postura “agnóstica”, pois é difícil prever o tamanho do impacto.
Mas, para o estrategista da WHG, após passar meses “atrás da curva”, o BC agora “está correndo na frente do Fed”, o que pode amenizar o impacto de uma virada da política monetária americana.
Volpon afirma que o juro, que foi o grande “inimigo” do real desde o ano passado, pode virar “amigo”. Segundo ele, o fluxo de investimentos estrangeiros em carteira e fatores mais técnicos devem derrubar a projeção para o câmbio no fim do ano, hoje em R$ 4,90. Leia abaixo os principais pontos da entrevista.
Broadcast: O BC no RTI elevou a projeção para investimentos em carteira passivos e disse que pode ser o primeiro ano de entradas líquidas desde 2015. Por que houve essa virada?
Tony Volpon: Tem um conjunto de razões, que não são totalmente independentes e apontam nessa direção. Em primeiro lugar, tem essa forte alta de preços de commodities que estamos vendo mundialmente. Se a gente olhar os termos de troca do Brasil neste momento, até superou os níveis de 2010, que foi o último ponto mais alto entre os preços de importação e exportação. A alta rentabilidade dessas empresas, como Vale e Petrobras, e o desejo de investir em um setor que muita gente acredita que vai entrar em um ciclo de alta secular – eu me coloco nesse grupo – o torna muito atrativo. Historicamente, o nosso crescimento é muito relacionado ao ciclo de commodities. Então outra coisa que está mais no olhar do investidor estrangeiro é a ideia de que, com essa alta de commodities, devemos crescer.
Broadcast: Há também influência do aumento da taxa Selic?
Volpon: A gente ficou muito tempo com queda de juros, chegamos a praticar juros reais altamente negativos. Foi muito ruim para a economia, esse experimento não funcionou. Danificou muito a taxa de câmbio, que não conversava com os fundamentos das contas externas. Agora que o BC, um pouco tardiamente, está engatando esse processo de normalização da Selic, a renda fixa se torna mais atrativa. Pelo carry, o investidor de renda fixa está olhando para o Brasil de uma forma um pouquinho diferente do que nos últimos anos, quando vimos pelos dados do Balanço de Pagamento uma grande saída da renda fixa. Em 2019, teve grande saída da Bolsa. Essas duas coisas estão se revertendo e devem ser mais positivas nos próximos anos. Já está acontecendo, mas não acho que se exauriu. Já teve um impacto positivo sobre o câmbio.
Broadcast: Então esse fluxo é sustentável e não apenas pontual?
Volpon: Até aqui, falei o que eu acho que deve ser verdade entrando no próximo ano. Mas tem umas coisas mais conjunturais. Abrimos uma boca de jacaré no começo do ano, quando as Bolsas globais estavam subindo e a nossa Bolsa, especialmente em dólar, estava caindo bastante, pela desvalorização cambial e os problemas com o fiscal. Isso se reverteu, começando em março, e agora acho que a gente fechou essa boca de jacaré. Houve um movimento de entrada em bolsas emergentes, com o investidor realocando fora dos EUA, porque estava caro, começou a pipocar esses problemas de inflação, dúvidas sobre o Fed. Conjunturalmente, muito dessa coisa do rali da reabertura já ocorreu no Brasil e na Europa. Estávamos com posição overweight em Brasil e agora foi para neutra. Não é que a gente está mais negativo com a bolsa ou com o mercado brasileiro, porque tem esses fatores estruturais positivos para o Brasil que devem se expressar ao longo do ano. Isso se expressa nesse fluxo que tem um componente de renda fixa, ligado a juros e a risco país, e um componente de renda variável, muito ligado a commodities.
Broadcast: Quais são os riscos?
Volpon: A eleição no ano que vem e a possibilidade de o Fed puxar o freio antes do que o mercado espera. São fatores de risco que vamos avaliando e que podem afetar negativamente o fluxo de carteiras. Não está escrito nas estrelas que esse fluxo vem. Vai depender um pouco de como esses fatores de risco vão se resolvendo, positivamente ou negativamente. Acho que são riscos para o ano que vem. O risco eleitoral é mais para 2022, está um pouco cedo demais para o mercado ficar olhando pesquisa eleitoral e tomar decisão. E o Fed também vai ficar relativamente tranquilo, não vai puxar o tapete na brincadeira. Se puxar o tapete, também é um evento mais para o fim deste ano ou início do ano que vem. O cenário até o fim do ano é positivo e acho que esse fluxo de entrada continua. Eu concordo com o aumento de previsão para [investimentos em carteira passivos] que o BC fez.
Broadcast: Há projeção para o Ibovespa no fim deste ano?
Volpon: A gente tem um target do Ibovespa de 140 mil para o fim do ano. Não estamos muito longe de 140 mil.
Broadcast: E para a taxa de câmbio?
Volpon: Estávamos com projeção [para o fim do ano] de R$ 4,90 há um tempo atrás e chegamos lá. Não mudamos oficialmente, mas acho que vai mudar e vamos derrubar a projeção. Além do fluxo, há outros fatores mais técnicos. Ainda tem uma posição de investidor estrangeiro muito comprado na B3, que eu acho que vai cair. E temos observado também uma grande diferença entre exportação embarcada e contratos de câmbio contratados. Historicamente, isso tem a ver também com os juros. Na medida em que os juros estão subindo, a gente acha que esse diferencial entre câmbio contratado e exportação embarcada contribuiria com outra fonte de entrada de recursos.
Broadcast: Pode ir para R$ 4,50?
Volpon: É possível. Outro dia estava em R$ 5,80. Pode mudar radicalmente. Para mim, a grande variável que virou foi o juro. O grande fator que estava enfraquecendo o real frente aos fundamentos das contas externas desde o ano passado era o juro. O juro que era um grande inimigo do real, à medida que caminha para uma Selic de 7%, pode virar um grande amigo.
Broadcast: Vocês projetam Selic a 7% no fim do ano? E o BC está na trilha correta para levar a inflação à meta?
Volpon: Fomos de 6,5% para 7%. O BC estava meio atrás da curva até agora. Demorou até a reunião de janeiro para abandonar o forward guidance que não servia mais para nada, dado que teve alta de inflação no fim do ano passado. Demoraram até março para subir o juro. Subiram para 0,75 ponto porcentual, mas entraram nessa onda de ajuste parcial, que diminuiu o impacto da alta. Estavam agindo forte, mas a fala estava mole. Isso contribuiu para a alta de expectativas que aconteceu neste período. Agora, retirando o ajuste parcial, deixando mais claro na comunicação que a indicação de juro neutro é projeção e que a promessa mesmo é colocar o juro onde for para levar a inflação à meta no ano que vem, e colocando alta de 1 ponto na mesa, não está mais atrás da curva. É muito bom porque o Brasil tem problema com a inflação, e, por outro lado, vai ajudar a moeda. Quando a economia brasileira cresce, a moeda aprecia. Então, se a moeda está apreciando, é um bom indicador de que vamos crescer mais.
Broadcast: Por que os EUA devem ter problema com a inflação? O Fed está atrás da curva?
Volpon: Tem duas inflações acontecendo ao mesmo tempo. Quando a gente olha para inflação só vemos uma coisa. É um problema de extrair sinal de um ruído. Tem uma inflação da reabertura, que é muito forte. Quando começar a rearticular o lado da oferta, essa inflação deve cair. Pode demorar, mas deve cair. Mas eu olho para os fundamentos da demanda e vejo que estão extremamente fortes em todos os seus componentes.
Broadcast: Quais são eles?
Volpon: O potencial de compra das famílias neste momento está altíssimo. O excesso de poupança das famílias americanas está ao redor de US$ 5 trilhões, nas contas bancárias. Essa é a primeira crise, em que, no dado agregado, as famílias estão saindo mais ricas do que entraram. Na carteira de ativos financeiros, está em US$ 110 trilhões, 10% acima da linha de tendência, que não muda muito ao longo do tempo. E também há um boom imobiliário enorme, os preços das casas estão subindo 20% no ano contra ano. O mercado de trabalho está bombando. Os investimentos e gastos do governo também estão bombando. Tem um grande choque primário que é de abertura e commodities entrando nesse ambiente de demanda, onde o Fed, tendo mais juízo, já deveria estar apertando a política monetária na margem. Está fazendo o contrário, fica prometendo que só vai subir os juros em 2023 e só fazer tapering no ano que vem. O único contra-argumento é a expectativa. Mas, se chegarmos no fim do ano e a inflação ainda estiver rodando em 3%, o que eu acho bastante provável, essas expectativas vão se deslocar para cima. E o Fed vai dar uma puxadinha no tapete em 2022. Se vai ser uma puxada de tapete que causa problema aos mercados emergentes, não sei. Minha capacidade de previsão se esgota aí.
Broadcast: Mas já estamos nos preparando para essa eventual puxada de tapete?
Volpon: É bom que estamos aumentando juros agora porque ajuda a criar um colchão contra qualquer surpresa do Fed. Se anteciparem alta de juros em 2022, o fato de Selic já estar em 7% vai ajudar com o impacto negativo disso na nossa economia. O bom é que o BC já está correndo na frente do Fed. O pior é quando estamos com juro muito estimulativo e o Fed dá uma paulada na nossa cabeça, como aconteceu em 2013. Teve o taper tantrum e o [Alexandre] Tombini estava praticando juros muito baixos. Era o mínimo da história na época. Teve que aumentar os juros, foi aquela zona. O bom é que não deve acontecer neste episódio. Vamos pegar a puxada de tapete do Fed com os juros em um patamar decente.